segunda-feira, abril 09, 2007

E assim se iniciou...

- Falar do passado - isso deve ser belo, porque é inútil e faz tanta pena...
- Falemos, se quiserdes, de um passado que não tivéssemos tido.
- Não. Talvez o tivéssemos tido...
- Não dizeis senão palavras. E tão triste falar! É um modo tão falso de nos esquecermos! ... Se passeássemos?...
- Onde?
- Aqui, de um lado para o outro. As vezes isso vai buscar sonhos.
- De quê?
- Não sei . Porque o havia eu de saber?


- Não dizíamos nós que íamos contar o nosso passado?
- Não, não dizíamos.
- Por que não haverá relógio neste quarto?
- Não sei... Mas assim, sem o relógio, tudo é mais afastado e misterioso. A noite pertence mais a si própria... Quem sabe se nós poderíamos falar assim se soubéssemos a hora que é?
- Minha irmã, em mim tudo é triste. Passo Dezembros na alma... Estou procurando não olhar para a janela.. Sei que de lá se vêem, ao longe, montes... Eu fui feliz para além de montes, outrora... Eu era pequenina. Colhia flores todo o dia e antes de adormecer pedia que não mas tirassem... Não sei o que isto tem de irreparável que me dá vontade de chorar... Foi longe daqui que isto pôde ser... Quando virá o dia?...
- Que importa? Ele vem sempre da mesma maneira... sempre, sempre, sempre...

O Marinheiro de Fernando Pessoa

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